sábado, 3 de julho de 2010

Ah megalomanismo!


Quando ainda bêbado acordava, tive alguns sonhos acordado.
Eu que vim pobre pra São Paulo, conheci os extremos, as duas faces da miséria. A do homem rico que se aliena, e a do pobre que também se aliena. Podemos dizer que o Brasil é realmente um país igualitário.
Os dias estavam sendo cada dia mais desgastantes pra mim. Um filho, é uma barra muito pesada pra quem tem 21 anos e a cabeça cheia de visões. Pior que ser alienado é ter consciência da merda em que está mergulhado e não conseguir nadar.
Morava de favor na casa de uns parentes ricos. Latifundiários no interior, apesar de rudes lavradores da terra, tinham recebido, a segunda geração, educação européia, o que lhes trouxe alguma compaixão, ou culpa pelo primo pobre que chagava a capital.
Porém era fato que não havia mais lugar na casa, o primogênito da família voltava naquele mês da Austrália, e sentindo-me um encosto, era hora de sair.
Agradeço de coração os dias passados naquele aposento, que não era nada menos que os demais, um pouco menor talvez, mas o mundo que me balizava era tão menor que pra mim tudo era muito gigante de começo. Trouxe de lá muita experiência com a elite do país. Conheci os podres dos grandes, dos muito ricos e poderosos. Vi a condição humana de ser uma grande bola de merda no brasil. Talvez no mundo todo, conheci muito estrangeiros também nessa minha passagem pela elite. Executivos expatriados, com as suas pequenas fortunas, que não suportavam mais por qualquer dinheiro continuar morando no país da corrupção verticalizada.
Um país sem guerras, não quer dizer que seu povo é pacífico. Aqui a tensão não sai apenas em tiros, não, os tiros são a parte que menos mata. A violência contra o outro se dá no dia-a-dia, com sutis rasteiras e pontapés no estômago, sem culpa nem culpado. Chupa-se o que está logo acima e chuta-se o que está logo abaixo. Esta é a lógica a regra nacional.
Nosso país precisava mesmo de uma guerra, uma guerra seria nossa melhor professora. Mas como gerar qualquer guerra num país onde balançam o rabo por qualquer migalha caída do prato acima e se tem prazer em vez em quando cuspir nos que estão embaixo.
Decidi mudar radicalmente minha vida. Não dava para simplesmente entrar na dança. Não, pra mim não. Sempre fui espectador de tudo isso. Deus talvez tenha me incubido de dar cabo a isso. Ou talvez eu seja só mesmo um pouco louco, o fato é que por sorte não consegui de fato me apaixonar nem pelos hábitos nem pelas garotas ou garotos da elite. Além disso meu filho agora iria nascer. Sei que não enriquece a história, mas não era eu também apaixonado pela sua mãe. Tive lá uns casos com ela, sempre que voltava pro interior e a gente se encontrava por acaso. Ela logo se encostava em mim, pela lógica do chupar que descrevi acima ela seguia, e eu me entregava. Por vezes foi assim. Sempre me preservei, a mim e a ela tive muito medo de dsts em toda minha vida, um acidente na infância veio me causar tal pavor. Mas ainda assim ela disse-me que teríamos um filho, e eu o aceitei, não de início, mas depois de ter certeza como tal.
Ela se chamava Maria, e não uso eu o nome como enfeite, realmente era de fato Maria. Sua família vinha de Alagoas. O ódio desse povo com os paulistas é evidente, apesar de obscuro na lógica do chup(t)a.
Mudei-me para a favela do Capão Redondo, na zona sul da cidade de São Paulo, lá era um local estratégico e lá queria eu organizar meu tropel e criar qualquer situação de guerra. Chegar no morro é tão difícil quando ao jardim Europa em Sã Paulo, o sistema é fechado e bem guardado pela facção dominante. De pronto entendi que deveria conquistar a confiança do dono do morro. Nada que fosse logicamente muito complicado, afinal este estava bem inserido no chup(t)a. Ainda sim o risco era grande, não dá pra se prever a reação de mentes tão atormentadas como a dos chefes do tráfico, que são aos mesmo tempo reis, e prisioneiros condenados.
Cheguei ao morro em um sábado de manhã. De traje social, como o de meu trabalho, chamei a atenção dos moradores do local. Perguntei a um garoto, que segurava uma pistola, se eu poderia falar com o dono do morro. O garoto se assustou com meu interesse, impôs-me que eu era policial apontando-me a arma encostou-a em minha cabeça. Seus olhos pareciam nulos e ao mesmo tempo se agitavam a olhar ao redor. Nada o impedia de atirar, a não ser a lei do morro. Ligou então para seu superior, que veio ao meu encontro.
- Tá querendo o que aqui alemão safado? Vai queima no pneu se for cana!
- Eu quero pedir permissão pra morar no morro, não tenho onde cair morto, tenho algum dinheiro, meu filho está pra nascer, preciso de um barraco pra mim e pra minha mina.
- Você não tem cara de quem consegue morar na favela não alemão. Teu lugar não é aqui. O Lula já falô que não era pra deixar entrar quem não fosse do movimento aqui nas terra dele, tá ligado?
-Mano, só quero fazê o meu, não vô zua a vida de ninguém por aqui, se liga irmão, você acha que eu ia dá uma brecha a toa por aqui?
-Sei não viu, o Lula não vai gostar nada de você alemão. Você tem cara de bonzinho, isso na favela não é elogio, tá ligado?
- Mano, se você conseguir deixar eu falar com ele pra mim já é um adianto. Se ele não me quiser aqui saio fora vou pra outro morro, sabe qual é, só não posso deixar minha mina e meu filho na rua, tendeu?
- Tendeu mano, vou levar você até ele então.
Depois de conhecer o chefe do morro, começo com um trabalho político social no morro, junto com o dono do morro que fica meu amigo, fazemos mudanças nas vidas dos moradores. A partir de então, começo com um discurso político mais pesado. Incito o povo à revolução. Uma revolução sem armas levo todos a manifestarem não na paulista, mas primeiramente na Oscar Freire. Todos os traficantes do morro armados e os moradores seguindo junto a procissão com tambores de Samba e muita música de protesto.
Evocando mártirs africanos, nordestinos, e índios, seguimos até a avenida paulista ponto alto da passeata. Lá os manifestantes dão de encontro com a polícia, que também é composta de gente pobre. Com discursos persuasivos, movemos os policiais a nosso favor, e todos no local, traficantes e policiais deixam suas armas em uma grande fogueira no túnel que corta a paulista. O exército tenta intervir, mas a população já é tão grande nas ruas de são paulo, que a voz do povo é pela primeira vez ouvida. E a partir daí começamos um novo sistema de regime político. Não uma ditadura, mas como um mandelismo. Teríamos aí uma nova votação para presidente, sem propagandas partidárias na televisão e sem a obrigatoriedade do voto. O povo participaria dos debates políticos até a eleição. E votaria apenas aqueles que realmente quisessem mudar algo no país.